O pulmão do bebê prematuro: conheça a displasia broncopulmonar.

O pulmão do bebê prematuro: conheça a displasia broncopulmonar.
Postado em: 12 de julho Compartilhar Compartilhar

Luciana de Freitas Velloso Monte: Coordenadora da Pneumologia Pediátrica do Hospital da Criança de Brasília José Alencar; Professora de Pediatria da Universidade Católica de Brasília; Médica especialista em pneumopediatria pelo Instituto da Criança/ Universidade de São Paulo (USP); Mestre em Ciências da Saúde (Pediatria) pela USP.

 

A vida de um bebê dentro do útero materno tem todo o aconchego e proteção. O feto fica imerso em líquidos e tem suas necessidades fisiológicas completamente atendidas pelo cordão umbilical. 1,2

Na vida intrauterina, as vias respiratórias também são banhadas e imersas no líquido amniótico, sendo isso muito importante para o desenvolvimento do sistema respiratório. Além desse e vários outros mecanismos de proteção, os anticorpos maternos ultrapassam a placenta, principalmente no último trimestre da gestação, e permanecem ativos nos primeiros meses após o nascimento da criança.1,2

Não é difícil perceber como esse ambiente torna-se diferente após o nascimento, especialmente quando isso ocorre mais cedo do que o esperado. Ao nascerem prematuramente, os bebês se descobrem fora do ambiente acolhedor e provedor uterino, apesar de todos os esforços tecnológicos e humanizados das UTIs neonatais. 3

O recém-nascido prematuro agora não terá mais o líquido da árvore respiratória. Precisa “respirar o ar”, ainda com muita dificuldade, já que os músculos respiratórios são frágeis, as vias aéreas muito pequenas, oferecendo resistência, e os pulmões, imaturos.3

(Obs: ver sugestão de fotos ao final do texto)

Como se dá o “amadurecimento” pulmonar?

A partir da 4ª semana de gestação, o broto pulmonar é formado e vai desenvolvendo as vias aéreas, os vasos sanguíneos e outros componentes, culminando na formação dos alvéolos e a complexa estrutura do aparelho respiratório perto do momento do nascimento. Assim, o bebê de termo (a partir da 37ª semana), em geral, tem a capacidade de respirar e fazer a troca gasosa adequadamente. Mas o crescimento e desenvolvimento do sistema respiratório continua ocorrendo mesmo após o nascimento, durante os primeiros anos de vida da criança.4

Existe uma substância que é crucial para manter a integridade dos alvéolos: o surfactante. Composto por lipídios e proteínas, o surfactante começa a ser produzido por células alveolares do feto a partir da 26ª semana de gestação, mas amadurece e pode atuar por volta da 29ª-32ª semana de idade gestacional. Ele se deposita na superfície dos alvéolos pulmonares e tem o papel de reduzir a tensão superficial na interface ar-líquido, facilitando a expansão dos pulmões e o trabalho respiratório. 4

O pulmão do bebê prematuro ainda não tem o sistema surfactante atuando plenamente. Esse é um dos motivos pelos quais o prematuro precisa de cuidados e suporte artificial para respirar após o nascimento.4

O que é Displasia Broncopulmonar (DBP)?

Displasia Broncopulmonar, ou DBP, é o nome da doença pulmonar crônica que se desenvolve ao longo dos primeiros meses após o nascimento prematuro do bebê, quando as estruturas pulmonares são anatômicas e funcionalmente imaturas.5

Sabe-se que quanto mais imaturo é o pulmão, maior é a chance de desenvolvimento de DBP. Cerca de 20% dos bebês prematuros e até 60% dos prematuros que nasceram com menos de 26 semanas de idade gestacional desenvolvem DBP.5

O nascimento prematuro leva a uma interrupção precoce do processo de formação de alvéolos, que passam a ter a sua estrutura simplificada. Além disso, o sistema surfactante está imaturo ou até inexistente. 3,6

A vascularização pulmonar, as vias aéreas e o sistema respiratório como um todo também sofrem agravos. Tudo isso, leva a prejuízos na troca dos gases e na função respiratória. Em consequência, o sistema respiratório do prematuro passa a ser submetido a uma série de medidas terapêuticas e procedimentos - como oxigênio (O2), ventilação mecânica, medicamentos e tantos outros - necessários para a sua sobrevivência fora do útero materno.3,6

Considerando o fato de haver pulmões imaturos associado às terapias necessárias para a vida, à predisposição individual/ genética e a fatores ambientais (tais como aspectos da nutrição, hidratação, infecção etc), há um ciclo de inflamação, injúria (danos), reparo e cicatrização. Esse processo pode ser favorável ao pulmão ou não, em diversas partes do sistema respiratório e em diversos graus.3

Como se faz o diagnóstico de DBP?

Desde as primeiras descrições da DBP, em 1967, existem critérios diagnósticos que vêm sendo discutidos ao longo dos anos. Atualmente a definição aceita de DBP que melhor foi aceita é a de uma condição crônica pulmonar que leva à dependência ao O2 por mais de 28 dias de vida em bebês prematuros. Pode ser classificada em leve, moderada ou grave, a depender da reavaliação clínica do suporte ventilatório, realizada com 36 semanas de idade gestacional corrigida, ou à alta da maternidade.6,9

Quais são os sintomas e consequências da DBP?

O bebê com DBP costuma ter aumento do trabalho respiratório, que pode ser evidenciado com elevação da frequência e/ou do esforço para respirar, “chiado” no peito, tosse, susceptibilidade a infecções respiratórias, aumento da pressão dos vasos pulmonares e outros. 3,5,10

A característica marcante é a saturação de O2, em ar ambiente, mais baixa que o normal. As consequências do agravo neonatal podem permanecer ao longo de vários anos. Pode haver também um alto impacto emocional e financeiro, sendo muito comuns as reinternações frequentes, especialmente por infecções respiratórias virais nos primeiros anos de vida.3,5,10

Existe prevenção da DBP?

Ainda não há medicamentos capazes de prevenir o aparecimento da DBP, mas as melhorias no acompanhamento pré-natal ajudam a evitar o parto prematuro, prevenindo a DBP.3,9,10

O uso de alguns medicamentos na gestante em ameaça de parto prematuro pode ajudar a amadurecer e proteger o sistema respiratório do feto, antes do seu nascimento. Além disso, os avanços tecnológicos da medicina possibilitaram melhorias nos cuidados neonatais do prematuro (como a reposição do surfactante, bem como cuidados na ventilação mecânica, oxigenoterapia e fluidoterapia, tornando-as menos “agressivas”, além de outras medidas), e resultaram em menos agravo ao sistema respiratório. Isso reduz as chances de DBP. Os mesmos avanços, porém, possibilitaram bebês cada vez mais imaturos a sobreviverem, e, por isso, temos visto ainda muitas crianças com essa doença crônica.3,9,10

Como é o tratamento do bebê com DBP?

O bebê com DBP e sua família precisam de acompanhamento com vários profissionais, como pediatras (neonatologistas, pneumologistas, cardiologistas, nutrólogos etc), fisioterapeutas, psicólogos, nutricionistas, fonoaudiólogos e outros, a depender de cada situação. 3,6

Até o momento não há um medicamento capaz de curar a DBP. Por isso o acompanhamento ao longo dos anos é tão importante. O tratamento consiste no suporte necessário a cada bebê. 3,6

As lesões pulmonares da DBP vão melhorando com o tempo, e as cicatrizes vão ficando proporcionalmente menores, com o crescimento da criança. Precisamos fazer com que o bebê permaneça bem, com boa oxigenação, crescimento, ganho de peso e desenvolvimento satisfatórios, e protegê-lo de novos agravos pulmonares. Por isso, cuidamos dos aspectos gerais (nutrição, amamentação, medidas de prevenção), dos aspectos emocionais, garantimos uma oferta de O2 suplementar adequada e usamos o mínimo de medicamentos, a depender de cada caso.3,6

Muitos bebês saem das maternidades com suplementação domiciliar de O2, que costuma ser necessária durante os primeiros meses ou anos da criança. É importante que a equipe de saúde possa auxiliar as famílias no manejo da oxigenoterapia, mantendo boa oxigenação do bebê.6

Alguns estudos demonstraram que a principal causa de reinternações de bebês prematuros com DBP, nos primeiros dois anos de vida, foi a infecção respiratória. Por isso, em relação à prevenção das doenças infecciosas, as famílias precisam estar atentas às medidas de prevenção especiais, considerando a prematuridade e a doença pulmonar crônica. A família precisa lembrar também de evitar ambientes aglomerados, pessoas gripadas ou tabaco.11

Novas terapias vêm sendo estudadas e possivelmente irão ajudar a reduzir os impactos da DBP nas próximas décadas.

O bebê com DBP pode frequentar creche?

Essa questão deve ser avaliada caso a caso entre a família e equipe de saúde.6

Por serem mais susceptíveis a infecções, a ida às instituições educacionais poderia predispor o bebê a infecções de repetição, pelo contato com muitas crianças. Em compensação podem ser muito úteis para o desenvolvimento neurológico e, algumas vezes, são necessárias pelas atividades laborais dos pais.

Se essa for a escolha para a sua família, é importante manter o calendário vacinal em dia e a serenidade nos momentos de infecção. Costumo sugerir manter o bebê em casa ao menos nos dois primeiros anos de vida, se isso for viável e tranquilo para a estrutura familiar.[1] 

 

Referências bibliográficas

  1. Sly P, Blake T, Islam Z. Impact of prenatal and early life environmental exposures on normal human development. Paediatr Respir Rev. 2021 Dec;40:10-14.
  2. Yu JC, Khodadadi H, Malik A, Davidson B, Salles EDSL, Bhatia J, Hale VL, Baban B. Innate Immunity of Neonates and Infants. Front Immunol. 2018 Jul 30;9:1759.
  3. Monte LF, Silva Filho LV, Miyoshi MH, Rozov T. Bronchopulmonary dysplasia. J Pediatr (Rio J). 2005 Mar-Apr;81(2):99-110.
  4. Smith LJ, McKay KO, van Asperen PP, et al. Normal development of the lung and premature birth. Paediatr Respir Rev. 2010 Sep;11(3):135-42.
  5. Álvarez-Fuente M, Arruza L, Muro M, et al. The economic impact of prematurity and bronchopulmonary dysplasia. Eur J Pediatr. 2017 Dec;176(12):1587-1593.
  6. Duijts L, van Meel ER, Moschino L, et al. European Respiratory Society guideline on long-term management of children with bronchopulmonary dysplasia. Eur Respir J. 2020 Jan 2;55(1):1900788.
  7. Northway WH Jr, Rosan RC, Porter DY. Pulmonary disease following respirator therapy of hyaline membrane disease: bronchopulmonary dysplasia. New England Journal of Medicine. 1967; 276(7): 357–368.
  8. Jobe AH, Bancalari E. Bronchopulmonary dysplasia. Am J Respir Crit Care Med. 2001 Jun;163(7):1723-9.
  9. Higgins RD, Jobe AH, Koso-Thomas M, et al. Bronchopulmonary Dysplasia: Executive Summary of a Workshop. J Pediatr. 2018 Jun;197:300-308.
  10. Davidson LM, Berkelhamer SK. Bronchopulmonary Dysplasia: Chronic Lung Disease of Infancy and Long-Term Pulmonary Outcomes. J Clin Med. 2017 Jan 6;6(1):4.
  11. Ralser E, Mueller W, Haberland C, et al. Rehospitalization in the first 2 years of life in children born preterm. Acta Paediatr. 2012 Jan;101(1):e1-5.
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